A dependência em jogos eletrônicos é uma condição reconhecida internacionalmente como transtorno de comportamento, caracterizada pelo uso compulsivo e incontrolável de jogos digitais, mesmo diante de prejuízos significativos à vida social, profissional, familiar ou acadêmica do indivíduo. Com o crescimento do acesso à tecnologia, essa forma de vício tem impactado diferentes faixas etárias e exigido novas abordagens clínicas e jurídicas.
No Brasil, o direito à saúde e à integridade psíquica é garantido constitucionalmente, sendo dever do Estado, da família e da sociedade prover os meios necessários para prevenção, diagnóstico, tratamento e recuperação de transtornos mentais, como o vício em jogos. A legislação vigente prevê mecanismos de amparo, inclusive no tocante à internação em situações extremas, sempre resguardando os princípios da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal.
Reconhecimento do Transtorno e Impactos Legais
A Classificação Internacional de Doenças (CID-11) da Organização Mundial da Saúde passou a incluir o transtorno por uso de jogos digitais (gaming disorder) como condição de saúde mental, o que fundamenta a necessidade de abordagens terapêuticas especializadas. No cenário jurídico brasileiro, tal reconhecimento respalda a adoção de medidas clínicas e legais para o cuidado do dependente, observando os preceitos da Lei nº 10.216/2001, que trata da proteção e dos direitos das pessoas com transtornos mentais.
O transtorno se caracteriza por três aspectos fundamentais: (i) perda de controle sobre o comportamento de jogar, (ii) priorização dos jogos sobre outras atividades e obrigações, e (iii) persistência do padrão, mesmo diante de consequências adversas. O indivíduo passa a negligenciar suas responsabilidades e relações sociais, o que pode ensejar medidas legais de proteção e cuidado, inclusive quando a capacidade civil está comprometida.
Abordagens Terapêuticas e Multidisciplinares
O tratamento da dependência em jogos deve ser conduzido por equipe multidisciplinar, envolvendo profissionais da psicologia, psiquiatria, assistência social e, quando necessário, jurídica. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é frequentemente adotada, pois ajuda o paciente a identificar e modificar padrões de pensamento e comportamento associados ao vício.
Em casos mais graves, o acolhimento em regime de internação pode ser necessário. A internação voluntária é sempre a primeira alternativa considerada, devendo ser formalizada por meio de consentimento assinado pelo próprio paciente. Quando há recusa, mas se verifica risco iminente à integridade física ou mental do indivíduo ou de terceiros, é possível recorrer à internação involuntária, conforme previsto no artigo 6º da Lei nº 10.216/2001, mediante laudo médico detalhado.
Durante o processo de reabilitação, é importante incluir atividades estruturadas, terapias de grupo, oficinas ocupacionais e suporte familiar. A reinserção social é uma etapa fundamental para consolidar os ganhos terapêuticos e evitar recaídas. O uso de tecnologias deve ser gradualmente reintroduzido sob supervisão profissional, com orientação educativa e limites bem definidos.
Aspectos Jurídicos da Internação
A legislação brasileira permite três modalidades de internação para tratamento de transtornos mentais: voluntária, involuntária e compulsória. A internação voluntária ocorre com o consentimento do paciente; a involuntária, sem esse consentimento, mas com autorização médica e comunicação ao Ministério Público; e a compulsória, determinada por decisão judicial.
Nos casos de dependência grave em jogos, em que o paciente se recusa ao tratamento e apresenta comportamento de risco, a família ou o responsável legal pode solicitar avaliação médica para considerar a internação involuntária. O Código Civil, em seu artigo 4º, reconhece como relativamente incapazes os indivíduos que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade de forma plena.
Em situações mais complexas, o Judiciário pode ser acionado para determinar a internação compulsória, resguardando os princípios da ampla defesa e do contraditório. Nesses casos, o Ministério Público atua como fiscal da lei, garantindo que os direitos do paciente sejam respeitados durante todo o processo.
Prevenção e Educação Digital
Além das medidas terapêuticas e jurídicas, a prevenção continua sendo a ferramenta mais eficaz contra o desenvolvimento do vício. A educação digital, com foco na conscientização sobre o uso equilibrado da tecnologia, deve ser promovida desde a infância. Escolas, famílias e organizações da sociedade civil têm papel essencial nesse processo, incentivando atividades offline, convivência familiar e o desenvolvimento de habilidades sociais.
O uso responsável de jogos pode ser positivo quando equilibrado com as demais esferas da vida. No entanto, sinais de alerta como isolamento social, queda no desempenho escolar ou profissional, agressividade, distúrbios do sono ou da alimentação e desprezo pelas obrigações cotidianas devem ser observados com atenção e tratados com a seriedade que o transtorno exige.
A dependência em jogos digitais não deve ser tratada com preconceito ou banalização. Trata-se de um transtorno de saúde mental que exige uma abordagem ética, técnica e legalmente embasada. O acolhimento humanizado, o apoio familiar e a atuação profissional qualificada são fundamentais para o sucesso do tratamento e para a reinserção social do paciente.
O ordenamento jurídico brasileiro oferece os instrumentos necessários para garantir o direito ao tratamento, à proteção da integridade física e mental e à preservação da dignidade humana. A atuação conjunta entre as áreas do Direito, Psicologia e Psiquiatria é essencial para que a pessoa em sofrimento psíquico possa encontrar novos caminhos para a autonomia, equilíbrio e qualidade de vida.